11º Domingo do Tempo Comum

"Quando as espigas estão maduras, o homem corta com a foice, porque o tempo da colheita chegou" - Mc 4,29.

Semear

José Antonio Pagola

Nem sempre estamos conscientes das profundas mudanças que estão se produzindo na consciência do homem contemporâneo. De acordo com diversos observadores, estamos passando pouco a pouco de uma “sociedade de crenças” na qual os indivíduos agiam movidos por alguma fé que lhes proporcionava sentido, critérios e normas de vida, para uma “sociedade de opiniões”, na qual cada um tem sua própria opinião sobre a vida, sem necessidade de fundamentá-la em nenhuma tradição nem sistema religioso. As religiões vão perdendo a autoridade que tiveram durante séculos.

São postos em questão os sistemas de valores que orientavam o comportamento das pessoas. Pouco a pouco vão sendo abandonadas as antigas “razões de viver”. Estamos vivendo uma situação inédita: os antigos pontos de referência não parecem servir para muita coisa e os novos ainda não estão delineados.

Não é fácil medir as consequências de tudo isto. Esquecidas as grandes tradições religiosas, cada indivíduo se vê obrigado a buscar, por sua conta, razões para viver e dar sentido à sua breve passagem por este mundo. É inevitável a pergunta: Em que se crê quando se deixa de crer? A partir de onde orienta sua vida aquele que abandona as antigas “razões de viver”?

O resultado não parece muito lisonjeiro. Existem, sem dúvida, pessoas que conseguem orientar sua vida de maneira nobre e digna. A maioria, porém, vai deslizando para a indiferença, o ceticismo e a vida medíocre. A crise atual está levando não poucos para o desinteresse, o esquecimento ou o abandono de uma fé que um dia teve um significado em sua vida. Já não interessam as grandes questões, menos ainda os ideais um pouco nobres. Basta viver bem.

Jesus fala de uma semeadura misteriosa da Palavra de Deus no coração humano. Pode parecer que existem pessoas em cujo interior ninguém pode semear hoje semente alguma: as pessoas já não escutam os pregadores; as novas gerações não creem nas tradições. No entanto, Deus continua semeando nas consciências inquietude, esperança e desejos de vida mais digna. Ele o faz não tanto a partir dos pregadores, mestres e teólogos, mas sobretudo a partir das testemunhas que vivem sua fé em Deus de maneira atraente e até invejável.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

 

11º Domingo do Tempo Comum

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

 Oração: “Ó Deus, força daqueles que esperam em vós, sede favorável ao nosso apelo, e como nada podemos em nossa fraqueza, dai-nos sempre o socorro da vossa graça, para que possamos querer e agir conforme vossa vontade, seguindo os vossos mandamentos”.

  1. Primeira leitura: Ez 17,22-24

Elevo a árvore baixa.

Em Ez 17 temos a alegoria do frondoso cedro (a monarquia de Judá). Uma águia, o rei de Babilônia, arrancou a copa do cedro e a levou para o exílio (o rei Joaquin, chamado também Jeconias) e substituiu-o com um galho deste tronco, o rei Sedecias. Este, porém, tornou-se infiel ao rei da Babilônia e foi punido. Assim, a monarquia de Judá foi praticamente aniquilada. Mas o profeta anuncia que Deus vai intervir nos planos do poder babilônico: Tomará um galho da copa deste cedro e o plantará de novo na terra de Israel (retorno do exílio). Assim como arrancou a copa do vigoroso cedro (monarquia de Judá), agora vai abater o poderio da águia e exaltar o galho do cedro (árvore baixa), transformando-o num “majestoso cedro”. É como diz o provérbio popular: “Eu dirijo, Deus me guia”. Os reis tentaram dirigir a história, mas Deus é quem guia a história dos homens. Ele é capaz de transformar um simples galho numa frondosa árvore. Na parábola do grão de mostarda o Evangelho retoma a imagem profética de Ezequiel, para falar do misterioso crescimento do Reino de Deus.

Salmo responsorial: Sl 91

Como é bom agradecermos ao Senhor

  1. Segunda leitura: 2Cor 5,6-10

Quer estejamos no corpo, quer já tenhamos deixado esta morada,

nos empenhamos em ser agradáveis ao Senhor.

Paulo nos traz sua experiência de vida cristã, baseada no evangelho que prega. Paulo é ao mesmo tempo um grande semeador do Reino de Deus e o terreno onde a boa semente do Evangelho foi lançada. Caminhando neste mundo, “na fé e não na visão clara”, Paulo e todos nós que cremos, somos animados pela confiança (v. 6 e 8). Esperamos comparecer diante do tribunal de Cristo no juízo final, para receber o prêmio da vida eterna, isto é, participar da ressurreição do Senhor. O que importa, no momento presente, é praticar as boas obras para sermos agradáveis a Deus.

Aclamação ao Evangelho

Semente é de Deus a Palavra;

o Cristo é o semeador;

todo aquele que o encontra,

vida eterna encontrou.

  1. Evangelho: Mc 4,26-34

É a menor de todas as sementes

e se torna maior do que todas as hortaliças.

Em Mc 4 são recolhidas três parábolas de Jesus: a parábola do semeador (4,3-20), a parábola da semente que cresce (4,26-29) e a parábola do grão de mostarda (4,33-34). O Evangelho de hoje nos convida a meditar sobre as duas últimas parábolas. Por trás das três parábolas está a experiência de Jesus que anuncia o Reino de Deus, e da Igreja que hoje anuncia o Evangelho. O semeador semeia porque espera colher bons frutos, mas o resultado nem sempre é aquilo que esperava. Ele pode ter a alegria de fazer uma boa colheita, mas também a frustração pelos resultados negativos. Se não tivesse  na qualidade da semente, confiança no terreno e esperança de uma boa colheita o semeador nem sairia para semear. As duas últimas parábolas se concentram, sobretudo, na fé e na confiança, tanto na semente como no terreno. A parábola da semente que cresce por si mesma mostra o dinamismo escondido na semente. Quando é lançada na terra, germina e cresce sem o agricultor preocupar-se com isso. A parábola do grão de mostarda chama a atenção para a força escondida na pequenina semente de mostarda que, uma vez lançada na terra, torna-se uma grande hortaliça, onde até os passarinhos vêm fazer o seu ninho. As três parábolas da semente têm algo em comum: 1. Podemos confiar na semente, que é a Palavra de Deus, mas os resultados dependem também do tipo de terreno que a acolhe, ou seja, depende também de nós. – 2. Uma vez lançada a semente na terra, desencadeia-se nela um dinamismo interno (um “programa”), que a faz funcionar por si só. – 3. O Reino de Deus pode ter um início ínfimo, pequenino com o da semente de mostarda, mas tende a crescer e expandir-se, tornando-se “a maior das hortaliças” (1ª leitura). – 4. O que pedem de nós estas duas parábolas?


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

 

Deus tarda, mas não falha

Frei Clarêncio Neotti

O pregador precisa da humildade para não atribuir às suas qualidades a fecundidade e o crescimento do Reino. Deve também se revestir de muita confiança. O povo brasileiro tem um provérbio dito muitas vezes em hora de vingança; hoje quero aplicá-lo ao crescimento do Reino: “Deus tarda, mas não falha”. Todos os que trabalhamos no Reino e pelo Reino precisamos, ao lado da humildade e da confiança, ter muita paciência. O homem moderno costuma ser imediatista. Sua técnica acelera o crescimento e o amadurecimento dos frutos. A tentação de apressar o Reino por métodos e técnicas humanas é grande. Ainda mais num tempo como o nosso que tanto valoriza a eficiência.

É justo e louvável que o evangelizador use de técnicas humanas para a pregação. Mas o crescimento pertence a Deus. O apóstolo não pode usar os métodos extremamente humanos, como os violentos dos zelotas; o apego exagerado à letra escrita das leis, como os fariseus; ou os cálculos minuciosos sobre o fim dos tempos, como os apocalípticos. A nova doutrina do novo Reino pedia homens novos, novo método, novo modo de pensar, novos caminhos de ação. Jesus associa a criatura humana ao seu projeto, mas o projeto será sempre dele e a criatura humana, por mais que faça, terá sempre uma função secundária.

Talvez fosse bom lembrar que a semente fica escondida na terra. É seu modo natural para germinar e brotar. É seu modo natural de pôr raízes e se firmar. O mesmo acontece com as coisas do Reino: muitas e muitas vezes são escondidas, discretas, sem barulho. A garantia de seu futuro não depende de técnicas humanas, mas da vontade do Pai.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

 

Sabem a que se assemelha o Reino?

Frei Almir Guimarães

♦ Reino, mundo novo. Sonho de Deus. Construção do Reino atribuída pelo Pai ao Filho e, por este, a nós confiada. Artífices de um mundo novo. Utopia de um universo de pessoas fraternas, cuidadosas para que ninguém tropece numa pedra, em que até uma criança, colocando a mão na toca da cobra, não seja mordida, mundo em que os lobos são domesticados por aqueles que são mansos e humildes de coração. Reino sem tronos nem coroas, mas semelhante a uma imensa mesa de festa onde se possa experimentar suave e duradoura alegria. Reino definitivo no qual o salteador que morreu ao lado de Jesus já penetrou. “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”. Nossa primeira missão é transformar o mundo, o que se faz pelo testemunho, ações e palavras adequadas, ditas no momento propício.

♦ Os traços principais do Reino: vida de irmãos e de irmãs, alentada pela compaixão que o Pai do céu tem para com todos; um mundo no qual se busca a justiça e a dignidade para todo ser humano, a começar pelos últimos; no qual se cuida da vida libertando as pessoas e a sociedade inteira de toda escravidão desumanizadora; no qual a religião está a serviço das pessoas, sobretudo das mais esquecidas; no qual se vive acolhendo o perdão de Deus e dando graças por seu amor insondável de Pai (cf. Pagola, Voltar a Jesus, p.69).

♦ Leva tempo a construção do Reino. Não avança quando se é açodado. Lançada à terra para produzir fruto, a semente pede calma e paciência ao lavrador. Ela cresce independentemente de apressados desejos. Cresce sem que, de início, nada se perceba. Morre escondida na terra, um broto, um galhinho, a espiga e o tempo da colheita. Os pais semeiam. Regam. Orientam. Tentam evitar que os filhos se apaixonem por ilusões. Procuram fazer de sorte reflitam, escolham bem, confia-os ao coração de Deus. De repente eles se tornam pessoas retas, e quem sabe com traços de Jesus. E criam à sua volta um mundo diferente, antecipação do Reino. Deus agiu enquanto o homem nem se dava conta. Os educadores, os pastores, mestres farão bem em esperar.

♦ Esperar, ter paciência. O pintinho vai quebrar a casca do ovo na hora exata. A criança vai andar quando começar sentir força irresistível em suas perninhas. O pianista vai tocar divinamente uma peça de Chopin depois de incontáveis repetições. Vejamos a explicação de José Antonio Pagola: “Poucas parábolas podem provocar maior rejeição em nossa cultura do rendimento, da produtividade e da eficácia do que esta pequena parábola, na qual Jesus compara o Reino de Deus com esse misterioso crescimento da semente que acontece sem a intervenção do semeador. Ela ressalta o contraste entre a espera paciente e o crescimento irresistível da semente. Enquanto o semeador dorme a semente vai germinando e crescendo “sozinha” sem a intervenção do agricultor, e “sem que ele saiba como” (Pagola, Marcos, p.97-98). A sociedade atual tem pressa, quer rendimento, lógica da eficácia. Não percebemos como nos empobrecemos quando já não temos tempo de viver, simplesmente de viver. Quem sabe não fosse bom esperar e ver a força de Deus na fragilidade, numa pessoas despojada como uma semente jogada à terra? A semente é a Palavra que ecoa em nossa liberdade.

♦ Há grandes e nobres iniciativas tomadas no campo civil em prol do ser humano. Associações e grupos promovem ações contra o trabalho infantil, abuso de crianças, acolhida dos migrantes, contra o preconceito racial e tantos outros objetivos. A Igreja através de pastorais cuida das crianças, dos menores, dos habitantes de rua. Todas essas iniciativas que buscam humanizar o humano preparam o advento definitivo do Reino. Estas deverão ser realizadas por pessoas de coração despojado sem nenhum projeção pessoal ou de um grupo.

♦ Jesus fala de uma minúscula semente que, quando morre na terra, produz uma hortaliça tão exuberante de forma que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra. O simples e pequeno gera o grande. O Reino de Deus é feito desses gestos pequenos: uma palavra carinhosa e delicada para os que estão à nossa volta um olhar de atenção para os filhos; uma delicada palavra a quem nos pesou meio quilo de alcatra; proximidade de quem começa a desesperar; uma visita inesperada a um amigo quase nas últimas. Coisas pequenas e singelas, aos olhos de Deus, valem mais do tantas manifestações religiosas pomposas. O Reino de Deus é como uma sementinha que de tão pequena, nem pode ser vista a olho nu.

Oração

Pai, é a ti que me dirijo este dia
com uma confiança tranquila e serena.
Teu Filho me ensinou que tu eras meu Pai
e que não se deveria te chamar por outro nome.
Tu és simplesmente Pai.
Pai, venho te dizer simplesmente que sou teu filho e
te digo seriamente e no entanto com vontade e de cantar
porque é tão belo ser teu filho; mas sério
porque muito me amaste.

Pierre Lyonnet


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

 

Não parece, mas o reino cresce

Pe. Johan Konings

Muitos dentre nós estamos preocupados porque as comunidades eclesiais conscientes crescem tão devagarinho e às vezes até parecem diminuir. Então, demos um passo para trás, para enxergar melhor. Seiscentos anos antes de Jesus, o “povo eleito” que devia prestar culto ao Deus Único neste mundo foi tirado de sua terra e quase sumiu do mapa: Israel e seu rei foram levados para o exílio babilônico. Mas Deus fará crescer de novo um broto no cedro de Israel e o povo se tornará novamente uma árvore frondosa (1ª leitura). No evangelho, Jesus usa a imagem do crescimento para falar do Reino de Deus. Estamos preocupados porque o Reino de Deus não se enxerga? Aos que o criticam porque seu anúncio do Reino de Deus não se verifica por nenhum fenômeno extraordinário, Jesus responde: o agricultor não vê a semente crescer! O homem descansa ou se ocupa com outras coisas, e de repente a plantinha está aí. Ou veja a sementinha do mostardeiro, parece nada, mas cresce e se torna arbusto frondoso onde os passarinhos vão se abrigar. O mesmo acontece à pequena comunidade dos que buscam a vontade de Deus conforme a palavra de Cristo.

É essa a confiança que Jesus nos ensina. Jesus não é um homem de sucesso, de ibope. Ele lança uma sementinha, nada mais. E, de repente, a sementinha brota. O que parecia nada, torna-se fecundo, árvore frondosa.

No Calvário, o grão de trigo caiu na terra e morreu, para produzir muito fruto. Ressuscitou como árvore da vida. A Igreja dos primeiros cristãos foi esmagada pelas perseguições, mas ressurgiu das catacumbas como a maior força religiosa e moral do Império Romano. Os bárbaros destruíram o Império, mataram os missionários cristãos, mas de seu martírio surgiu a sociedade cristã da Idade Média. E esta foi desmantelada pela Modernidade, mas a semente cresce por baixo, especialmente no povo que mais sofreu a Modernidade do que dela se valeu. Nunca os pobres da América Latina foram tão ativos na comunidade de fé como hoje. E a árvore frondosa continua acolhendo passarinhos que chegam de todos os lados.

Mas o que mais importa não é a quantidade de novos galhos e sim a qualidade da semente, tão única e autêntica que nada a pode suprimir.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Todas as reflexões foram tiradas do site https://franciscanos.org.br/ 

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