Solenidade de Cristo Rei

"Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram" Mt 25, 40)

Torna-se difícil de tão fácil que é…

Frei Gustavo Medella

Jesus Cristo, Rei do Universo. Esta é a Solenidade proposta pela Igreja para fechar o ciclo de um ano litúrgico. É o coroamento de uma caminhada que começa com a preparação para o Natal, no Advento. A coroação de um Rei e a preparação do nascimento de um menino na periferia são as duas pontas que unem o ciclo da celebração de todo o Mistério Salvífico. Nesta disposição do calendário, a pedagogia divina conduz a Igreja em sua caminhada.

Na proposta cristã, céu e terra se fazem tão unidos que podem até causar certa confusão a ponto de nos desconcertar. Se olhamos apenas para cima à procura do Senhor, corremos sério risco de não encontrá-lo lá e de tropeçarmos n’Ele aqui embaixo, sem reconhecê-lo na figura do pobre, do doente, do faminto, do abandonado. Se O encontramos aqui e d’Ele nos compadecemos, abrem-se para nós as portas de lá e a bênção de Deus nos alcança aqui, revelando no fundo de nossas almas que Deus nos criou para sermos íntimos d’Ele.

Esta intimidade, nós a alcançamos vencendo nossa tendência à acomodação, ao egoísmo, à ganância e à exclusão. Deus está muito acessível, a todos, sem exceção. De tão fácil, torna-se difícil vivermos de verdade um encontro íntimo e profundo com o Senhor.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.

 

Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo

Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus

 Oração: “Deus eterno e todo-poderoso, que dispusestes restaurar todas as coisas no vosso amado Filho, Rei do Universo, fazei que todas as criaturas, libertas da escravidão e servindo à vossa majestade, vos glorifiquem eternamente.

  1. Primeira leitura: Ez 34,11-12.15-17

Quanto a vós, minhas ovelhas,

            farei justiça entre uma ovelha e outra.

No texto que ouvimos, o profeta Ezequiel junta sua voz crítica à dos profetas Isaías, Miqueias e Jeremias que o precederam. A imagem do rei-pastor já é antiga. Os reis do Egito e da Mesopotâmia consideravam sua função como a do pastor no cuidado da segurança e do bem-estar de seu povo. Os pastores contra os quais Ezequiel levanta sua voz são, sobretudo, os reis de Israel e Judá, mas também os dirigentes religiosos, como sacerdotes, profetas e juízes. Eles não cumpriram seu ofício de pastor porque não cuidaram do bem-estar físico nem espiritual do povo de Deus. Por culpa destes maus pastores, parte da população foi levada pelos babilônios para o exílio, entre os quais estava Ezequiel. Outros ficaram sem liderança no território ocupado pelo inimigo ou se dispersaram pelos países vizinhos. Mas, para Ezequiel, a história do povo de Deus não terminou e o profeta aponta um futuro de esperança: Como rei-pastorDeus promete cassar o ofício dos maus pastores e tomar conta das ovelhas desgarradas. Vai recolher as dispersas, cuidar daquelas feridas, fortalecer as doentes e fracas. Vai defendê-las das ovelhas mais gordas e fortes, julgando o rebanho como juiz, segundo o direito. Deus vai devolver a saúde a seu povo, vai trazer a salvação às ovelhas no exílio e às dispersas nos países vizinhos. Vai reunir seu povo disperso na terra prometida, como o pastor reúne suas ovelhas.

O que vemos hoje é maus governantes dispersando o povo que deveriam cuidar, sem ódio nem ideologias. O rei Hamurabi da Babilônia (1728-1686 a.C.) apresenta-se como pastor de seu povo, escolhido pelos deuses “para fazer surgir a justiça na terra, eliminar o mau e o perverso, para que o forte não oprima o fraco… Eu sou Hamurabi, o pastor, chamado por Enlil”. Um exemplo para os nossos governantes.

Salmo responsorial: Sl 22

O Senhor é o pastor que me conduz; não me falta coisa alguma.

  1.  Segunda leitura: 1Cor 15,20-26.28

Entregará a realeza a Deus-Pai,

para que Deus seja tudo em todos.

Paulo explica em que consistirá o convite que o Rei fará aos justos: “Vinde, benditos de meu Pai! Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou…” (cf. Mt 25,34). Se formos solidários com Cristo em nossa vida (“tudo o que fizerdes ao menos dos meus irmãos…”), o seremos também na sua morte e ressurreição. Como Cristo ressuscitou, hão de ressuscitar também os que lhe pertencem. Assim que vencer tudo o que se lhe opõe – pois “o último inimigo a ser destruído é a morte” –, Cristo entregará o Reino ao Pai, para que Deus seja tudo em todos (Prefácio). É esta participação no Reino dos ressuscitados que nós esperamos. Reino, planejado pelo Pai “desde a criação do mundo (Evangelho). A herança preparada pelo Pai é a participação na alegria do Senhor (33º domingo): “Não será a alegria inteira que entrará nos que se alegram (S. Agostinho), mas, os que se alegram entrarão inteiros nesse gozo” (S. Tomás).

Aclamação ao Evangelho

É bendito aquele que vem vindo,

que vem vindo em nome do Senhor;

 e o Reino que vem, seja bendito;

ao que vem e a seu Reino, o louvor!

  1. Evangelho: Mt 25,31-46

Assentar-se-á em seu trono glorioso

e separará uns dos outros.

No antigo Oriente Médio, os reis se apresentavam como pastores de seu povo, com a tarefa de cuidar, defender e julgar os seus súditos. Na primeira leitura vimos que os reis de Israel não cuidaram do povo de Deus. Por isso, Deus prometeu cuidar, ele próprio, de seu povo. E o fez, enviando seu Filho Unigênito a este mundo. Jesus é o Bom Pastor que deu sua vida para nos salvar. No evangelho, ele aparece como Filho do Homem, como pastor messiânico, rei do universo e juiz escatológico. O critério último para julgar bons e maus será a solidariedade, o amor compassivo que tivermos com os mais necessitados. Os justos não sabiam que os pobres, dos quais cuidavam, representavam o próprio Rei, que os julgava e acolhia no Reino preparado pelo Pai celeste, desde a criação do mundo: “Todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (v. 40). – “Quem não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (1Jo 4,20).

Termina nesta semana o ano Litúrgico A. Durante este ano nos acompanhou o Evangelho de Mateus, o evangelho da Igreja como comunidade que procura viver o Reino de Deus. Muito aprendemos com Mateus sobre como viver em comunidade. Mas o Reino de Deus não se limita aos que seguem Jesus Cristo. Na hora do julgamento final não seremos perguntados se fomos seus discípulos, mas pelo que fizemos ao próximo, incluindo todas as pessoas amadas por Deus.

Lembremo-nos dos profissionais da saúde, de todos aqueles que arriscaram suas vidas para salvar a vida de milhões de pessoas da pandemia do Covid-19. Centenas, milhares deles foram vítimas da mesma epidemia. Eles foram e são o Evangelho vivo de nosso tempo, exemplo a ser seguido por todos nós. Para todos eles Cristo diz: “Vinde, benditos de meu Pai! Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo… pois eu estava doente e cuidastes de mim…”. Combatestes com Cristo o bom combate para que o último inimigo a ser vencido seja a morte (cf. 1Cor 15,26).


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

 

Faze isto, e reinarás

Frei Clarêncio Neotti

Com a festa de Cristo Rei encerramos o Ano Litúrgico A. Celebramos hoje a plenitude do Reino. Reino de Cristo, Senhor e Juiz dos vivos e dos mortos. Reino da criatura humana, elevada à dignidade divina e ressuscitada para “uma herança incorruptível, incontaminada e imarcescível no céu” (1Pd 1,4). Ao longo de todo o Evangelho, Jesus sempre pôs o amor-caridade como lei suprema para os que quisessem participar do Reino. Hoje nos diz que é por essa lei (sem fazer menção de outras) que seremos julgados dignos ou não de entrar na plenitude do Reino. E o diz com tanta clareza que poderíamos concluir com outra frase sua: “Faze isto, e viverás” (Lc 10,28).

Se a festa de hoje tem, sobretudo, o sentido de glorificar a Cristo, “sentado à direita de Deus Pai e acima de tudo o que tem nome para sempre” (Ef 1,20-23), a liturgia nos recorda também o nosso destino eterno e as condições para alcançá-lo. Fomos feitos para a glória, somos coerdeiros de Cristo (Rm 8,17), se tivermos os mesmos sentimentos dele (Fl 2,5). Não há uma predestinação cega ou unilateral. Deus dá às criaturas “graça sobre graça” (Jo 1,16), mas quer a colaboração pessoal de cada um. Deus dá a parte maior, às vezes quase tudo, mas jamais somos dispensados de fazer nossa parte.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

 

No trono da Cruz, o amor se entregou

“A missão de Cristo continua a escrever-se  através de nós”

Frei Almir Guimarães

Mais uma vez, bem no final do ano litúrgico, comemoramos a solenidade de Jesus Cristo, rei do universo e o dia nacional do leigo. Aquele que foi o primeiro no pensamento de Deus e para o qual tudo convergia, o que antes dele vinha e tudo que o sucedeu, Rei porque tudo é dele, vem dele e para ele converge. Rei que nasce na singeleza da pobre manjedoura e morre nu no madeiro da cruz. Rei cujo título de honra é o de ter amado até fim, por causa de um amor sem meias medidas. Rei despojado que deseja que colaboremos com ele na construção do Reino do Pai. Sua missão continua a se escrever através de nós. Somos os delegados do Rei.

Rei porque veio com sua palavra e seu testemunho apontar para o Reino novo de seu Pai, reino de justiça, de paz, de amor, mundo novo em que os humildes são reis e os prepotentes e insolidários são destituídos de seus tronos, mundo que se adquire vendendo o que temos e cantando a canção da partilha. “Tive fome e me destes de comer”.

Lucas lembra o fato de que os que estavam no Gólgota faziam pilherias, zombavam dele. “Se és mesmo o escolhido de Deus, desce daí, faz um milagre, como outros que andaste fazendo”. Para tornar tudo extremamente ridículo colocaram no alto da cruz do Crucificado nu se contorcendo um letreiro: “Este é o Rei dos Judeus!”. Cena sempre chocante.

Todos os que comentam estas cenas não se cansam de repetir que a crucificação de Cristo continua no sofrimento dos inocentes de todos os tempos. Desses miseráveis que são chutados, injustiçados, sadicamente torturados ou simplesmente excluídos. Seria realmente uma inconsequência beijar a imagem do Crucificado enquanto vivemos indiferentes aos sofrimentos dos outros.

Acontece então algo inusitado. Assim se exprime Pagola: “De repente no meio de tanta zombaria, uma invocação: “Jesus, lembra-te de mim quando chegares ao teu Reino”. É o outro delinquente que reconhece a inocência de Jesus, confessa sua culpa e cheio de confiança no perdão de Deus, só pede a Jesus que se lembre dele. Jesus lhe responde imediatamente: “Hoje estarás comigo no paraíso”. Agora estão os dois agonizando, unidos no desamparo e na impotência. Mas hoje mesmo estarão os dois desfrutando a vida do Pai” (Lucas, p.  351). No momento de morrer aquele malfeitor se entrega confiantemente a Jesus. E ele ouve estas consoladoras palavras:  “Hoje estarás comigo no paraíso”.

Somos pecadores como o ladrão: “O incurável crente confia todo este anseio de vida nas mãos de Deus. Todo resto se torna secundário. Não importa os erros do passado, a infidelidade ou a vida medíocre. Agora só conta a bondade e a força salvadora de Deus. Por isso de seu coração brota uma oração semelhante à do malfeitor moribundo na cruz. “Jesus, lembra-te de mim quando chegares ao teu reino”. Uma oração que é invocação confiante, petição de perdão e, sobretudo, ato de fé vida num Deus salvador (cf. Pagola, Lucas, 355).

Dia do fiel cristão leigo. Daqueles homens e mulheres, solteiros, casados, jovens e idosos, garis e desembargadores, padeiros e astronautas. Homens e mulheres que não estão vinculados ao serviço do altar, mas pessoas tocadas por Cristo Jesus, discípulos do Evangelho na busca do bem, da justiça e da verdade. Pais educadores primeiros de seus filhos, aqueles que podem despertar no coração deles o desejo e a sede de Deus. Homens e mulheres que fazem de sua casa uma Igreja doméstica. Leigos que se inspiram em Tristão de Athayde, Madeleine  Delbrêl e Contardo Ferrini. Leigos que labutam nas associações de bairro. Pessoas que ajudam  vigorosamente na construção de um mundo de justiça, de paz, de solidariedade. No momento atual haverão de se ocupar de modo especial em humanizar o humano. s leigos têm como  espaço de ação o vasto mundo e não os estreitos espaços da sacristia. Leigos ungidos no Batismo e na Confirmação, garantia da presença de Cristo no campo  de luta onde se desenha  o amanhã da humanidade: sal da terra, luz do mundo e fermento na massa.

“Pedir o Reino de Deus é pedir que o nome que nós carregamos, o nome de cristão, o nome de cristã, tenha de fato a vitalidade de Cristo dentro de si. E que sintamos que participamos do ministério de Cristo. Somos ungidos para tornar presente esse Reino no meio do mundo”  (cf. Tolentino).


Oração

Não tens mãos…

Jesus, não tens mãos.

Tens apenas as nossas mãos para construir

um mundo onde habite a justiça.

Jesus, não tens pés.

Tens apenas os nossos pés para por em marcha

a liberdade e o amor.

Jesus, não tens lábios.

Tens apenas os nossos lábios para anunciar

aos pobres o Reino de Deus.

Jesus, não tens meios.

Tens apenas nossa ação para fazer com que

homens e mulheres sejam irmãos.

Jesus, nós somos o teu  Evangelho,  o único Evangelho,

que as pessoas podem ler para acolher teu  Reino

(Autor anônimo).


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

 

Cristo, Rei do Universo, e o Juízo Final na inspiração de Mt 25,31-46

Frei Jacir de Freitas Faria, OFM[1]

Hoje, celebramos a solenidade de Cristo Rei do universo, festa instituída na Igreja pelo Papa Pio XI, em 1925, para se opor ao movimento de leigos que rejeitavam os valores do cristianismo. O evangelho que inspira a nossa reflexão é o polêmico Mt 25,31-46, cuja temática é o Juízo Final, quando o Filho do homem vier em sua glória, isto é, com seu poder sobre a natureza e a história. Essa passagem inspirou a arte e foi a base da pastoral do medo da morte e do inferno na Idade Média e Moderna.

Você deve estar se perguntando pelo porquê dessa afirmativa. Imagine que você esteja no ano de 1513, na cidade de Florença, na Itália, numa missa. O padre se chama Francesco. Numa homília, tendo lido Mt 25,31-46, ele prega:

Haverá sangue por toda parte. Haverá sangue nas ruas, sangue no rio; as pessoas navegarão em ondas de sangue, lagos de sangue, rios de sangue… dois milhões de demônios estão soltos… porque mais mal foi cometido ao longo destes dezoito anos do que no decorrer dos cinco mil anteriores.[2]

A reação provocada em todos os presentes terá sido de uma angústia escatológica, seguida dos pensamentos: o fim do mundo estava próximo; estou com medo de ir para o inferno; Jesus está voltando. Sentado no seu trono, ele vai nos julgar, separando as ovelhas dos cabritos, os bons dos maus. As ovelhas, os justos, irão para a vida eterna, e os maus, os cabritos, para o castigo eterno de um inferno dantesco, conforme afresco de Dante Alighieri (1265-1321), medonho e pavoroso.

A motivação bíblica para a Igreja ensinar desse modo tem sua origem em Ap 21,1-8, que fala da Jerusalém celeste para os eleitos e lago ardente de fogo e enxofre para os condenados, mas, sobretudo, em Mt 25,34.41que diz: “Vinde, benditos de meu Pai, recebei por herança o Reino preparado para vós desde a fundação do mundo. Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno preparado para o Diabo e para os seus anjos”. O fogo eterno é o sinal da não vida, a morte eterna. Essa interpretação, motivada pela busca de poder da Igreja na sociedade, a cristandade, excluiu a ligação do julgamento proposto por Jesus com o do acolhimento do nu, do doente e do preso, e fez sedimentar a ideia do Juízo Final que seria realizado por Ele. Pregadores da Igreja difundiam que o fim do mundo estava prestes a acontecer. O dominicano Manfredo de Vercelli induziu mulheres a deixarem seus maridos para se reencontrarem com eles no Juízo Final. “Logo, sem tardar, em muito pouco tempo” era fórmula usada pelos pregadores para se referirem ao fim do mundo.[3] Ademais, peças teatrais sobre o Juízo Final espalharam-se pela Europa.

Jesus é claro, o critério para se salvar não é a titulação em vida, o poder econômico, mas o acolhimento do necessitado, do empobrecido, do doente, do faminto, do estrangeiro. Esses são critérios que definem um justo. Mt 25,31-46 fecha o último discurso de Mateus, o qual está unido à abertura do primeiro, que fala das bem-aventuranças dos pobres. Mateus faz uma inclusão literária, o que estava no início, os pobres, são agora retomados como critério para ter a glória da vida eterna. A Igreja, com esse texto, encerra, liturgicamente, o tempo comum e abre com o advento o tempo de preparação para o Natal, o nascimento de Jesus.

Nas iconografias inspiradas no Juízo Final de Mateus dos séculos XII e XIII, aparecem vários elementos: Jesus, o grande juiz, cercado de anjos e apóstolos. O anjo de destaque é Miguel, pois a ele cabe a tarefa de pesar as almas, atitude que se caracteriza pela salvação ou condenação da alma. É também desse século a figura do advogado diante do juiz que não aparece no texto de Mateus. Os parentes do juiz podem suplicar em favor dos condenados. Aparecem as figuras de Maria e João Evangelista aos pés da cruz, suplicando, pedindo ao juiz (Jesus) para agir com misericórdia. Maria assume, no século XIII, o papel de suplicante em favor das almas.[4] As iconografias do Juízo Final permanecem nos séculos seguintes, mas foram perdendo força para a visão de que a ressurreição ocorreria na hora da morte pessoal, o juízo particular, doutrina de fé, ideia que a Igreja sustenta em nossos dias.[5]

Volto a insistir, ainda que, lamentavelmente, alguns ainda preguem o pavor do juízo implacável de Deus, esse juízo, seja ele particular ou final, o critério não é simplesmente as obras de caridade sem compromisso, mas a relação estabelecida com o pobre, o excluído e o doente, na época, excluído por causa da doença que era vista como punição de Deus, mas também o estrangeiro que, por ser impuro, não podia entrar na sinagoga, participar da comunidade etc. Jesus, o Cristo Rei, estabeleceu um único critério: a relação de inclusão do ausente, o excluído. Com isso, estariam incluídos todos e todo o mundo habitado. Não vale o medo, mas a fé e o serviço em prol da justiça social e humanitária. Disso é que seremos julgados.

Termino com a intuição e o sonho de Nelson Cavaquinho, na música Juízo Final, eternizada na voz de Clara Nunes: “O sol há de brilhar mais uma vez/A luz há de chegar aos corações/ O mal será queimada a semente/ O amor será eterno novamente/ É o Juízo Final/ A história do bem e do mal/ Quero ter olhos para ver a maldade desaparecer.


[1] Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE-BH. Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Exegese Bíblica no Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA-BH). É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de dez livros e coautor de quatorze.

[2] DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente 1300 – 1800: uma cidade sitiada. 3. reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 222.

[3] DELUMEAU, História do Medo no Ocidente, p. 220.

[4] ARIÈS, Philippe. O homem diante da morte. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981. v. I, p. 110.

[5] Para compreender a relação do medo da morte com o inferno e juízos final e particular, sugiro a leitura do nosso livro: O Medo do Inferno e a arte de bem morrer: da devoção apócrifa à Dormição de Maria às irmandades de Nossa Senhora da Boa Morte. Petrópolis: Vozes, 2019).

 

A surpresa final

José Antonio Pagola

Nós, cristãos, levamos vinte séculos falando de amor. Repetimos constantemente que o amor é o critério último de toda atitude e comportamento. Afirmamos que a partir do amor será pronunciado o juízo definitivo sobre todas as pessoas, estruturas e realizações dos seres humanos. Não obstante, com essa linguagem tão bela do amor, podemos muitas vezes estar ocultando a mensagem autêntica de Jesus, muito mais direta, simples e concreta.

É surpreendente observar que Jesus dificilmente pronuncia nos evangelhos a palavra “amor”, também não nesta parábola que nos descreve a sorte final da humanidade. No final não seremos julgados de maneira geral sobre o amor, mas sobre algo muito mais concreto: O que fizemos quando encontramos com alguém que precisava de nós? Como reagimos diante dos problemas e sofrimentos de pessoas concretas que fomos encontrando no nosso caminho?

O decisivo na vida não é o que dizemos ou pensamos, o que cremos ou escrevemos. Tampouco bastam os belos sentimentos ou os protestos estéreis. O importante é ajudar a quem precisa de nós.

Os cristãos, em sua maioria, sentem-se satisfeitos e tranquilos porque não fazem nenhum mal especialmente grave a ninguém. Mas esquecem que, segundo a advertência de Jesus, estão preparando seu fracasso final sempre que fecham seus olhos às necessidades alheias, sempre que eludem qualquer responsabilidade que não seja em benefício próprio, sempre que se contentam em criticar tudo, sem estender a mão a ninguém.

A parábola de Jesus nos obriga a fazer-nos perguntas bem concretas: Estou fazendo algo por alguém? A que pessoas posso prestar ajuda? O que faço para que reine um pouco mais de justiça, solidariedade e amizade entre nós? O que mais eu poderia fazer?

O último e decisivo ensinamento de Jesus é este: o Reino de Deus é e sempre será dos que amam o pobre e o ajudam em sua necessidade. Isto é o essencial e definitivo. Um dia nossos olhos se abrirão e vamos descobrir com surpresa que o amor é a única verdade, e que Deus reina ali onde há homens e mulheres capazes de amar e preocupar-se com os outros.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

 

Jesus, Rei do Universo

Johan Konings

Ensina o profeta Ezequiel: Deus, no tempo de sua intervenção, assumirá pessoalmente o governo do seu povo, como um dono que quer cuidar pessoalmente do seu rebanho – já que os pastores não prestavam (1ª leitura).

No evangelho de hoje, último domingo do ano litúrgico, Jesus evoca essa imagem para falar do Juízo no tempo final. Ao mesmo tempo “rei” e “pastor”, o “Filho do Homem” vai separar os bons dos maus, como o pastor separa os bodes dos carneiros. E o critério dessa separação será o amor ao próximo, especialmente ao mais pequenino. Aliás, Jesus se identifica com esses pequenos. Conforme tivermos acudido a esses, nas suas necessidades, Jesus nos deixará participar do seu reino para sempre – ou não.

A 2ª leitura completa esse quadro pela grandiosa visão de Paulo sobre Jesus, Rei do Universo. Ele subjuga todos os inimigos, inclusive a morte; e então, ele mesmo se submeterá a Deus, para que este seja tudo em todos. Assim, a obediência e o despojamento de Jesus o acompanham até na glória.

Chamar Jesus Rei do Universo significa que é ele quem dirige a História. Sua mensagem, selada pelo dom da própria vida, é a última palavra. A mensagem do amor fraterno gratuito, manifestado ao mais pequenos dos irmãos, é o critério que decide sobre a nossa vida e sobre a História.

Entretanto, vivemos num mundo de pouca gratuidade. Até aquilo que deve simbolizar a gratuidade é explorado e comercializado (indústria dos brindes…). Esforçar-se por alguém ou por algo sem visar proveito parece um absurdo. Contudo, é isso que vence o mundo. É deste amor não interesseiro que Cristo pedirá contas na hora decisiva.

Ora, olhando bem, descobrimos que esse amor gratuito existe no mundo. Mas por sua própria natureza, ele fica na sombra, age no escondido, produzindo, contudo, uma transformação irresistível e sempre renovada. Temos assim exemplos de pessoas individuais que optaram pelo amor gratuito, ou também de grupos que vencem a exclusão pelo modo solidário de viver. Evangelho é educar as pessoas para a caridade não interesseira e criar estruturas que a favoreçam (contra o consumismo, a competição exacerbada, o classismo e o racismo e todas as formas de negação dos nossos semelhantes). Neste sentido, os humildes projetos de solidariedade não interesseira (creches de favela, hortas comunitárias, escolas atendidas por voluntários, etc) são uma coroa para Cristo Rei, que hoje celebramos.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

 

Veja a reflexão em vídeo, clicando aqui.

 

Todas as reflexões foram tiradas do site: https://franciscanos.org.br/

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